Fadiga
CONCEITO
A fadiga é definida pela
Ergonomia como um estado reversível de
diminuição de nossa capacidade funcional, seja de um órgão específico, seja de
todo o organismo.
Esta
aula você conhece muito bem! A fadiga é nossa companheira inseparável.
Dormimos pouco, nos alimentamos de forma inadequada, nossa memória é muito
solicitada, pois estudamos, trabalhamos, discutimos com o chefe no nosso
emprego, pegamos congestionamentos no trânsito, estamos sempre correndo atrás
do relógio, etc., etc.
Resumindo
numa só palavra: CANSAÇO! Mas veja o
detalhe: este estado é reversível, recuperável, a não ser que a fadiga entre
num outro estágio, o da EXAUSTÃO.
Vejamos a fadiga em
sua INTENSIDADE
e na sua MANIFESTAÇÃO:
A INTENSIDADE:
FADIGA
AGUDA - é aquela que se manifesta todos os dias, aparecendo só por alguns
momentos. Com uma boa noite de sono, adeus fadiga aguda!
FADIGA
CRÔNICA - muuuuito pior! Acumula-se dia-a-dia, semana-a-semana, pois os
períodos de sono, pausas e descanso, que deveriam recuperar nosso estado
funcional, são insuficientes e o cansaço acumula-se. É típica de estudantes de
cursos noturnos.
A MANIFESTAÇÃO:
FADIGA
FÍSICA - Manifesta-se só no corpo. Por exemplo, fadiga muscular, fadiga visual.
Pode ser aguda, quando a dor, o incômodo, passam rapidinho, ou acumular-se,
transformando-se em crônica, quando permanecerá por muito tempo.
FADIGA
PSÍQUICA - muuuuito pior! Manifesta-se na mente, na memória, no estado
emocional do indivíduo, e também no corpo, deixando-o profundamente irritado,
mal-humorado, impaciente. As manifestações são traduzidas por sinais
PSICOSSOMÁTICOS, tais como gastrite, úlcera, colite, dor-de-cabeça, tonturas, palpitações,
chegando até aos chiliques e explosões. A causa está na não aceitação,
por parte do indivíduo, da realidade que este é obrigado a vivenciar. É
crônica.
EXAUSTÃO
- muuuuuuuuuito pior!!! A exaustão é um estágio que beira o colapso! Quando o
indivíduo não consegue mais se concentrar, a memória embaralha, descasca a
banana, joga a banana no lixo e come a casca, dorme com a roupa do próprio
corpo e, pasmem!!, esquece que tem prova na semana de provas! A exaustão
demonstra que não só os períodos de descanso estão sendo insuficientes, bem
como INEXISTEM!
Os
exauridos são extremamente debilitados, tanto no aspecto físico (desabam
no sofá e “desmaiam”), quanto no mental (fica tudo embaralhado!) e psíquico
(batem na esposa, chutam o cachorro, xingam o próprio chefe, vomitam palavrões
no trânsito, quebram toda a louça da cozinha, etc.).
FADIGA FÍSICA
Veremos
algumas situações de fadiga física, conforme a localização no corpo.
FADIGA MUSCULAR - ocorre quando mantemos os músculos em CONTRAÇÃO ESTÁTICA
(você já sabe o que é isto), sem apoio, sustentando cargas ou o seu próprio
peso.
FADIGA VISUAL - manifesta-se por vista turva, embaralhada,
ardência, lacrimejamento. Ocorre pelo uso excessivo da vista, principalmente
frente ao mecanismo de acomodação (foco) de objetos muito próximos aos olhos e
de exigências visuais complexas, além do problema de ofuscamento e da falta de
um nível de iluminamento adequado no ambiente de trabalho.
objetos muito pequenos e muito próximos dos olhos.
ACOMODAÇÃO
VISUAL:
A acima detalha a fadiga visual
pelo uso excessivo do mecanismo de acomodação
da vista (foco), quando de objetos muito próximos dos olhos (distância <
30 cm ).
O foco é determinado pela atuação dos MÚSCULOS CILIARES (músculos cujas fibras
encontram-se dispostas em círculo, ao redor do CRISTALINO – ver a seguir), que ficam contraídos quanto mais próximo
estiver o objeto para o qual olhamos. Assim, deduz-se que o processo de
focalização PARA PERTO exige contração muscular, sendo que esta situação
não se verifica quando focamos para
longe. A fadiga está, portanto, diretamente relacionada às distâncias de
visualização do trabalho.
MOVIMENTOS
REPETITIVOS DOS OLHOS:
Também as atividades
repetitivas e constantes de INSPEÇÃO VISUAL de produtos está relacionada à
fadiga visual. Determinadas operações de controle de qualidade visual em
linhas de produção acabam resultando em tontura, ardência, pois os movimentos dos produtos, bem
como o tamanho pequeno do
objeto vistoriado, fazem com que o trabalhador sobrecarregue os olhos, pelo uso
excessivo de movimentos de vai-e-vem.
Músculos
ciliares
Cristalino
Músculos ciliares ao redor do Cristalino são responsáveis pelo mecanismo de
acomodação (foco).
FADIGA POR TRABALHO NOTURNO ou em TURNOS DE REVEZAMENTO
Todo
organismo obedece a ciclos temporais, que comandam suas funções. Com o ser
humano não é diferente e, dentro das 24 horas do dia, o organismo comporta-se de
modo diferenciado, respeitando um CICLO, conhecido como CIRCADIANO.
Tal
ciclo coordena uma série de reações involuntárias do organismo, ou seja, aquilo
que vulgarmente chamamos de RELÓGIO BIOLÓGICO. Assim é que a temperatura
interna do corpo trabalha dentro de uma faixa, que chega a variar até 1,2 graus
Celsius. O estado de vigília x sono também manifesta-se em horários distintos.
Nosso
corpo necessita do sono para que recupere sua capacidade funcional. O sono, de
sua vez, possui diferentes estágios de
profundidade, nos quais a qualidade varia. Os dois estágios iniciais do
sono são LEVES e é muito fácil
acordar quando nos encontramos em tal fase. Já os dois estágios mais profundos,
são do sono pesado, considerado como um sono de melhor qualidade, no qual
há recuperação do organismo em função do repouso ali obtido, tanto mental
quanto físico.
O
ritmo de sono x vigília é coordenado pelo centro nervoso do hipotálamo.
Atinge-se o ápice da vigília por volta do horário do meio-dia e o do sono por
volta da meia-noite, momento em que nosso sistema nervoso vai “desligando” o
organismo.
Contudo,
trabalhadores que se ativam nas grandes indústrias de transformação, como
petroquímicas, refinarias, siderúrgicas, ou aqueles que trabalham no setor
básico de utilidades (energia elétrica, saneamento básico, telefonia, etc.),
vivenciam diferentes horários de trabalho, revezando-se em regime de rodízio.
São os chamados turnos alternantes de
revezamento. Percebe-se, pois, que o organismo humano já possui um ciclo
definido pelo hipotálamo, para que se “desligue” em horários certos e se “religue” em outros, mas o regime de
trabalho em turnos obriga o trabalhador a uma situação de dessincronização
destes ciclos.
Imagine
a situação do trabalhador que entra no turno de “zero-hora”. Quando inicia suas
atividades, o trabalhador deveria estar começando a dormir, não a trabalhar!
Seu organismo procura, a todo custo, desligar-se,
pois assim o quer o hipotálamo, mas não consegue em função da situação externa
vivenciada pelo indivíduo, que o força a
ficar acordado.
Pode-se
alegar que o trabalhador pode dormir durante o dia, o que possibilitaria sua
recuperação e repouso, o que, na verdade, é uma ilusão. Durante o dia, o hipotálamo orienta o organismo para
um estado de vigília, contrário ao sono,
portanto. Trava-se, então, uma verdadeira luta no organismo e o resultado é
catastrófico: o trabalhador dorme, mas a qualidade do sono é baixa, pois só se
atinge o estágio de sono LEVE (no
qual praticamente não se descansa), com períodos entrecortados e curtos de sono
PESADO, insuficientes à recuperação.
Há
também fatores externos diurnos, que em muito prejudicam o sono durante o dia.
O ruído característico das ruas com buzinas, freadas, escapamentos furados,
caminhão de entrega de gás, crianças brincando, etc., acaba por acordar várias
vezes o indivíduo, que passa à uma condição de cochilos, totalmente diversa do sono noturno ao qual estamos
acostumados, este sim repousante.
FADIGA POR EXPOSIÇÃO AO CALOR
Manifesta-se
pela conjugação de diferentes fatores, a saber:
TEMPERATURA
RADIAÇÃO
VENTILAÇÃO
EVAPORAÇÃO
TIPO DE ATIVIDADE
A
temperatura elevada aparece geralmente por fontes expressivas de calor (fornos,
caldeiras, área de fundição de peças, etc.) no ambiente freqüentado pelo trabalhador.
É medida em IBUTG (Índice de Bulbo Úmido e Termômetro de Globo) e os limites de
tolerância aplicáveis encontram-se no Anexo 3 da NR-15, da Portaria 3.214/78 do
MTb.
Os
meios pelos quais o calor chega ao organismo são por radiações não ionizantes
(ondas eletromagnéticas - infravermelhas), convecção e condução, sem falar em
raios solares, quando tratam-se de serviços externos.
O
fator ventilação é preponderante: em ambientes fechados, a ventilação
geralmente é prejudicada, principalmente se a circulação de ar for apenas de ar
viciado, do próprio ambiente. O correto é insuflar ar externo, mais fresco
(desde que não poluído).
Exposto
o corpo ao ambiente quente, há vasodilatação periférica, colocando em
ação as glândulas sudoríparas. A evaporação é o único meio para trocar calor
com o ambiente, pois o suor esfria a superfície da pele e, evaporando, faz com
que o corpo se resfrie. Contudo, quando os ambientes são quentes e úmidos,
a evaporação não se dá, pois o teor de umidade presente no ambiente faz
com que o suor permaneça no corpo por saturação, deixando-o encharcado.
O
tipo de atividade está diretamente relacionado à fadiga física. Atividades pesadas
provocam alta taxa metabólica, com dispêndio energético elevado. Quanto mais
pesada a atividade, maior deverá ser o tempo de pausa para o organismo,
inclusive porque o próprio corpo produzirá mais calor interno sob tais
condições.
FADIGA PSÍQUICA
Já
comentamos que a fadiga psíquica aparece em função da não aceitação, por parte do trabalhador, da realidade que o mesmo é obrigado a vivenciar.
Contudo
esta realidade pode ter, ou não, uma origem OCUPACIONAL. Quando a origem não é
ocupacional, qualificamo-la de origem DE CONTEXTO.
Vejamos
alguns fatores de fadiga psíquica, pela origem:
OCUPACIONAL
· Salário baixo;
· Ameaça constante de demissão;
· Chefia insegura, incompetente, indecisa;
· Chefia intolerante, que humilha os subordinados, com
cenas de “baixaria”;
· Ambiente de trabalho agressivo (ruído, calor, vapores
tóxicos, risco de acidentes, etc.);
· Jornada de trabalho excessiva (dobras, horas-extras);
· Ausência de pausas, rodízios;
· Horários inadequados de trabalho;
· Ritmos excessivos, velocidades insuportáveis,
organização do trabalho nos padrões Tayloristas - exemplo: 500 toques por minuto,
para os digitadores;
· Protecionismo (o sobrinho do gerente é promovido, mas
você não...);
· Falta de reconhecimento, por parte da empresa, das necessidades
do trabalhador (em qualquer nível - pode ser a falta de um bebedouro, um
banheiro muito longe, um EPI sem condições de uso, iluminação deficiente no
posto de trabalho, demora para a manutenção de um equipamento, etc.).
DE CONTEXTO
· Transporte deficiente;
· Condições de moradia precárias;
· Desajustes familiares;
· Padrão de vida baixo;
· Condições de higiene/alimentação precárias;
· Violência urbana, neurose das grandes metrópoles,
insegurança.
UMA SOLUÇÃO PARA A FADIGA:
A A.C.T. - ANÁLISE COLETIVA DO TRABALHO
Face
às dificuldades encontradas pelos trabalhadores e também aos conflitos típicos
entre os diferentes cargos de uma empresa, é comum que certos bloqueios ocorram
quando um profissional comparece às áreas e procura levantar as situações acima
exemplificadas.
Muitos
dos trabalhadores temem represálias por parte da empresa e se calam, ao invés
de “abrir o jogo”, por pior que seja a situação vivenciada no trabalho.
É preciso, pois, adotar-se uma estratégia de levantamento, que possibilite ao
trabalhador sentir-se amparado e seguro. É justamente em função de tal
dificuldade que surgiu a ACT.
A
ACT é um método que atua como agente de ligação entre aquilo que o trabalhador sente em seu trabalho e a empresa, mas sem a interferência
interna e pressões desta última. Basicamente, o método de ACT engloba:
-
O interesse da empresa em conhecer os problemas vivenciados pelos trabalhadores
e o objetivo primordial de melhorar as condições do trabalho desenvolvido por
estes;
-
O contado com o Sindicato da classe trabalhadora envolvida (petroleiros,
metalúrgicos, construção civil, etc.), que facilita bastante o relacionamento
entre o Ergonomista e os trabalhadores;
-
Um local considerado neutro (uma universidade, por exemplo), ou seja, um local
no qual o trabalhador se sinta à vontade e que não tenha “paredes com ouvidos”;
-
O anonimato dos trabalhadores garantido, para que não sintam qualquer medo de
perseguição por parte da empresa ou de chefias inescrupulosas e incompetentes
(MUITO COMUM e, diga-se, já assisti cenas profundamente lamentáveis e
humilhantes quanto a este aspecto);
-
Total liberdade para que o trabalhador possa se expressar a respeito daquilo
que faz, como faz, o que gosta mais de fazer, do que não gosta, etc. É certo
que o especialista em Ergonomia deve acompanhar os relatos e fazer
perguntas-chaves.
Através
da ACT é que o Ergonomista consegue perceber inúmeras situações de trabalho
que, sozinho, jamais captaria, mesmo comparecendo ao local de trabalho. A Dra.
Leda Leal Ferreira, uma das maiores especialistas no assunto, relata que tal
método é um verdadeiro sucesso e que enriquece sobremaneira a análise
ergonômica.
A
importância da ACT relaciona-se diretamente ao FATOR HUMANO dentro do trabalho,
possibilitando à empresa:
A- Tomar consciência das
dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores e tomar providências quanto aos
aspectos negativos por eles levantados;
B- Descobrir que os
trabalhadores, mesmo em situações difíceis e incômodas, têm orgulho de seu
trabalho e gostam de trabalhar, ocasião em que são mencionados os
aspectos positivos abordados pelo pessoal entrevistado.
Os
aspectos positivos, por sinal, também possibilitam que o Setor de Medicina e
Segurança do Trabalho redimensione as equipes de trabalho e faça uma
readequação das funções, segundo as condições físicas e psíquicas deste ou
daquele trabalhador, conforme suas capacidades.
Por
exemplo, ao tomar conhecimento de atividades mais leves e fáceis de serem
executadas num setor da empresa, dentre um universo de atividades levantadas, o
Médico do Trabalho pode encaminhar temporariamente, para outro setor, um
trabalhador que apresente incapacidades ou limitações psico-fisiológicas, de
modo a facilitar a sua recuperação.
Áreas
que merecem uma atenção maior do setor de Higiene do Trabalho podem ser
incluídas num cronograma, de modo a iniciar uma série de mudanças no ambiente
de trabalho, o que antes poderia estar camuflado. Os aspectos negativos dão tal
visão. Desvios de função são
detectados (um soldador que também acaba fazendo serviços de mecânico), ou a
sobrecarga de trabalho concentrada neste ou naquele setor, o que permite
redimensionar a organização do trabalho e corrigir as falhas. Esta proposta,
que já identificávamos no início de 1.994, foi implantada pelo governo no final
daquele ano, por meio do PPRA.
É
muito importante que o relatório de ACT encaminhado às chefias mantenha os nomes dos trabalhadores em
segredo, pois os problemas devem chegar ao Chefe, que é aquele que tem
poder para tomar providências (e resolver o problema, claro!), mas não
interessa saber quem foi que
disse isto ou aquilo, pois sabemos que sempre há um fator pessoal no
relacionamento entre as pessoas que trabalham numa mesma empresa.
GLOSSÁRIO:
CIRCADIANO, CICLO: significa “cerca de um dia”, ou seja,
equivale ao período aproximado de 24 horas. Do latim “circa dies”.
HIPOTÁLAMO: núcleo nervoso localizado na base do cérebro, que
coordena diversas funções vitais do organismo.
MORBIDADE: condição na qual um indivíduo apresenta grande
debilidade de força, resultando em doença e fraqueza generalizadas.
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